segunda-feira, 3 de maio de 2010

Entrevista foda e evasiva de Bob Dylan


Passo meramente a transcrever entrevista feita por uma jornalista sueca com bob dylan publicada no blog antigo do alexandre matias.

É a melhor demonstração e recomendação de como se deve tratar certos tipos de imprensa. (Leia-se quase todos)

Ao final, uma revelação. Bob Dylan é o precursor do math rock!

ENTREVISTA: BOB DYLAN

Não, o Trabalho Sujo não entrevistou Bob Dylan. Muito menos em 1966. A vítima do cantor é o radialista Klaus Burling, que tentou entrevistá-lo no dia 28 de abril daquele ano, quando Dylan pousou na Suécia. Digo “vítima” porque do mesmo jeito que gostava de confundir seu público, o cantor brincava de atazanar qualquer tentativa de entrevista na época. Sem querer explicar-se, confundia ainda mais o interlocutor. E, mesmo assim, se explicava. Veja se você entende, nesta entrevista cedida pela gravadora Sony.

É muito bom vê-lo em Estocolmo, Bob Dylan, e eu queria saber que agora que você está aqui se você poderia explicar suas canções e você mesmo. O que você pensa da canção de protesto?
Bob Dylan - Um...Er...Deus... Não, eu não vou ficar sentado aqui e fazer isso. Estive acordado à noite toda, tomei algumas pílulas, comi uma comida horrível, li todos os tipos de coisas erradas; estou pra correr num carro a 150 por hora e não vamos sentar aqui e falar sobre mim como um compositor de protesto ou qualquer coisa do tipo.

As primeiras coisas que te deram fama, como The Times They Are A-Changin’ na Inglaterra, são músicas de protesto, não?
Dylan - Oh, meu Deus. Há quanto tempo foi isso?

Há um ano.
Dylan - Certo, bem, quero dizer... Um ano atrás. Eu não quero ser mau ou qualquer coisa do tipo, mas eu gostaria de ser um mentiroso ou um tolo pra continuar nesse negócio. Quero dizer, eu não vou ajudar se você pensa há um ano atrás, sabe?

Não, mas agora você mudou para Subterranean Homesick Blues com guitarra elétrica e outras coisas. Alguma razão especial?
Dylan - Não.

Não?
Dylan - Não.

Como você se chama? Um poeta? Um cantor? Ou você escreve poemas e depois os musica?
Dylan - Não sei. É tão besta. Quero dizer, você perguntaria essas perguntas a um carpinteiro? A um encanador?

Não seria tão interessante.
Dylan - Eu acho que poderia ser, quero dizer, é interessante pra mim, como deveria ser interessante pra você.

Enquanto um apresentador de programa de rádio, não.
Dylan - O que você acha que Mozart diria se você viesse perguntasse esse tipo de perguntas. Que tipos de perguntas você perguntaria a Mozart? Diga-me, Mr. Mozart, er...

Bem, pra começo de conversa eu não o entrevistaria.
Dylan - Bem, então por que você veio a mim?

Porque estou interessado nos seus discos e o público sueco também.
Dylan - Eu também estou interessado nas audiências suecas e nas pessoas suecas e todas essas coisas, mas eu tenho certeza que eles não querem saber essas coisas idiotas, você sabe.

Não, bem, eles lêm um monte de coisas idiotas sobre você nos jornais e eu acho que você poderia ser mais direto aqui.
Dylan - Não posso, eu acho que eles não precisam disso. Eu acredito que eles já saibam. Você não conhece os suecos? Eles têm de ser ditos, não explicados. Você deveria saber de tudo isso. Você não pode explicar pros suecos algo que já se explica. Os suecos são mais espertos que isso.

Você acha?
Dylan - Claro.

Você conhece muitos suecos?
Dylan - Conheço vários e eu também sou um sueco.

Claro.
Dylan - Na verdade, eu venho de um lugar não muito longe daqui, meu amigo.

Vamos tentar ouvir uma canção, então?
Dylan - Pode tentar.

Certo. Qual você sugeriria?
Dylan - Escolha a que você quiser, qualquer uma. Você percebe que eu não estou sendo mau. Estou querendo apenas esclarecer as coisas, você percebe?

Sim e é por isso que eu pedi pra você e você teve uma chance pra fazer isso sozinho.
Dylan - Eu não quero fazer isso.

OK.
Dylan - Não quero fazer nada sozinho.

Sua música está vendendo bem nos EUA. Como se sente em relação a isso?
Dylan - É horrível, porque é uma canção de protesto. As pessoas não deveriam ouvir canções de protesto.

Muitas pessoas compram o disco e ouvem-a no rádio. Então muita gente entende a mensagem.
Dylan - Yeah, eles entendem. Fico feliz que eles entendam. É um bom disco, não?

Como você se sente ao ganhar muito dinheiro se você não está preocupado realmente com isso?
Dylan - Eu gosto de ganhar muito dinheiro.

No começo da sua carreira você não tinha dinheiro e agora você tem bastante. O que você faz com ele?
Dylan - Nada.

Não se preocupa?
Dylan - Não. Outra pessoa cuida disso pra mim. Ainda faço as mesmas coisas.

Quando você escreve uma música, escreve a letra ou põe a música antes?
Dylan - Escrevo tudo, música e letra.

Ao mesmo tempo?
Dylan - A melodia não tem importância, na verdade. Sai naturalmente.

No começo, outros artistas gravavam suas músicas e fizeram sucesso. Como você se sente em relação a isso?
Dylan - Bem, eu não sinto nada. Fico feliz.

Você gosta de ser reconhecido mais como um compositor do que como um cantor?
Dylan - Er, sim, pois é como se fosse tudo de uma vez. Eu não tenho nenhum outro interesse. Eu tinha interesse, aos 13, 14, 15 anos de ser um astro famoso, essas coisas, mas eu estou no palco e seguindo shows ambulantes desde que eu tenho 10 anos. Fazem 15 anos que eu faço o que faço. Eu sei o que estou fazendo melhor que todo mundo.

E o que você quer fazer hoje?
Dylan - Nada.

Nada?
Dylan - Não.

Você gosta de se apresentar? De viajar?
Dylan - Sim, eu gosto. Eu não ligo de viajar, também.

E de gravar?
Dylan - Gosto de gravar.

Você tem uma banda agora, coisa que não tinha no começo.
Dylan - Eu tinha uma banda bem no começo, mas você tem que entender que eu venho dos Estados Unidos. Eu não sei se você sabe como são os Estados Unidos. Não tem nada a ver com a Inglaterra. As pessoas que têm a minha idade, 25, 26 anos, cresceram tocando rock’n’roll.

E você faz isso?
Dylan - Sim, porque é o único tipo de música que se ouve. Todo mundo já fez isso porque tudo que você ouve é rock’n’roll, country e rhythm’n’blues. Em uma certa época toda esta música foi invadida pelo som inofensivo de Frankie Avalon, Fabian, essas coisas. Não que seja ruim ou coisa do tipo, mas não era o tipo de coisa que as pessoas poderiam se espelhar. Então veio a música folk e foi um subsituto por um tempo. Mas só um substituto. Agora é diferente, devido ao fator inglês e o que os ingleses fizeram foi provar que dava pra fazer dinheiro tocando a mesma velha música que nós tocávamos. Isso é verdade, não é mentira, mas os ingleses não tocam rock’n’roll.

O que você acha dos Beatles?
Dylan - Os Beatles são ótimos, mas eles não fazem rock’n’roll.

Você os conhece?
Dylan - Sim, eu conheço os Beatles.

E eles não tocam rock’n’roll?
Dylan - Não, não tocam. Rock’n’roll são quatro batidas, uma extensão do blues de 12 compassos. E rock’n’roll é música de moleque branco de 17 anos. Você sabe, é uma tentativa de forjar sexo.

Como você chama seu estilo, então?
Dylan - Bem, como ninguém toca ou canta como eu, eu não sei.

Como você batizaria sua música?
Dylan - Música matemática.